Rumo a Rede Elétrica Inteligente

13 de agosto de 2012


Manuel Alves Filho (manuel@reitoria.unicamp.br) – Foto tema: Antoninho Perri


Embora tenha tomado algumas providências, o Brasil ainda precisa fazer uma extensa lição de casa para poder criar as condições necessárias à implantação da chamada smart grid (rede inteligente) no seu sistema elétrico. A opinião é de Carlos Alberto Fróes Lima, que acaba de defender tese de doutorado sobre o tema, na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, sob a orientação do professor Gilberto de Martino Jannuzzi. De acordo com o autor do trabalho, questões ligadas à legislação e regulação do uso dessa nova tecnologia seguem aguardando soluções. “A previsão é de que os testes em âmbito nacional possam começar em 2013. Até agora, porém, não foram definidos pontos cruciais como as especificações dos novos medidores e nem mesmo os valores das tarifas. O país ainda está se organizando para estabelecer essas diretrizes”, analisa.


Froes Unicamp

Fróes afirma que tais providências são urgentes e fundamentais porque o advento da smart gridproporcionará uma “revolução” do ponto de vista de controle e efetividade  dos serviços tanto nos setores de geração, transmissão e distribuição da energia elétrica, quanto no comportamento do consumidor e na relação deste com as concessionárias do setor. “O conceito de smart grid ainda não está disseminado no Brasil, sendo um assunto novo por aqui. Entretanto, ele é muito abrangente, envolvendo muito da eficiência energértica e já vem sendo aplicado há algum tempo nos Estados Unidos, Japão e países europeus. A tecnologia cria uma série de possibilidades técnicas, operacionais e também de negócios”, elenca o pesquisador.


Dito de modo simplificado, o que se pretende com a introdução da smart grid é dotar a rede elétrica de inteligência, de modo que ela possa ser operada e controlada de forma digital (usando equipamentos com tecnologia de comunicação de dados em cada ponto da rede) e com mais eficiência. Atualmente, explica o autor da tese, a geração já dispõe de tecnologias inteligentes, que ajudam a manter a oferta em níveis adequados, mas também tem seus desafios de inovação. A disposição, agora, é fazer com que a transmissão e a distribuição também atinjam um patamar de operação e supervisão superiores. Uma das alternativas, segundo Fróes, é instalar sensores nos diversos pontos da rede. Com isso, as concessionárias teriam como monitorar remotamente a rede, identificando em tempo real eventuais interrupções no fornecimento, perdas técnicas e até mesmo furtos de energia.


Mais do que isso, por meio do medidor eletrônico, que deverá substituir o conhecido “relógio” eletromecânico, tanto a empresa fornecedora quanto os próprios clientes terão como acompanhar de maneira mais próxima e frequente o consumo. “Atualmente, um funcionário vai uma vez ao mês até a residência do cliente para registrar o quanto foi consumido no período anterior. Com os recursos da smart grid, isso poderá ser feito a cada 15 minutos, por exemplo, pelas duas partes. Isso fará com que as pessoas possam ter maior controle sobre seus gastos com energia e a concessionária conheça melhor os hábitos dos seus clientes”, detalha Fróes. Além dessas vantagens, prossegue ele, a tecnologia também permitirá que sejam estabelecidas tarifas diferenciadas conforme o período do dia e conforme o consumo.


O pesquisador observa que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reguladora do setor, já estabeleceu uma primeira resolução nesse sentido. O documento prevê que o custo da energia no horário de pico será cinco vezes maior do que nos momentos de baixo consumo. “Com isso, o consumidor poderá programar melhor o uso da energia elétrica e, eventualmente, baixar o valor da sua conta. Em vez de tomar banho entre 18h e 21h, por exemplo, ele poderá deixar para fazer sua higiene pessoal depois desse período, quando a tarifa será menor”, exemplifica Fróes. Ocorre, entretanto, que as tarifas a serem praticadas ainda dependem de regulamentação. “Ou seja, a tarifa no horário de pico vai ser cinco vezes maior em relação a que valor? Isso ainda não foi definido”, acrescenta o autor da tese.


Segundo ele, uma consequência dessa possível mudança de atitude por parte dos consumidores poderá ser a redução dos investimentos em geração de energia. Ele esclarece que a oferta do serviço não é estimada a partir de uma demanda média, mas com base no pico de consumo. “Ora, se houver uma redução importante do consumo no horário de pico, a geração poderá ter um planejamento operacional diferenciado. Ou, dito de outra maneira, o país poderá crescer e se desenvolver sem que haja a necessidade de investimentos tão grandes em novas gerações”, imagina.


Outra alteração que a smart grid poderá introduzir diz respeito à atuação das concessionárias. Fróes diz que, assim como acontece em outros países, as empresas brasileiras poderão ser autorizadas a fornecer outros produtos e serviços além da energia elétrica. Nos Estados Unidos, por exemplo, as companhias do setor podem vender o serviço de operar eletrodomésticos considerados “inteligentes”. Além de serem eficientes e apresentarem um baixo nível de consumo de eletricidade, eles podem ser operados à distância pelas concessionárias. “Nesse caso, o cliente autoriza a empresa a desligar remotamente o seu aparelho quando chega o horário de pico e quando a oferta de energia não é suficiente para atender toda a população. Isto pode evitar apagões. Também pode acionar ou pedir a concessionária para que o aquecedor seja acionado uma hora antes de ele chegar em casa, durante o inverno”.


Ainda no campo das possibilidades, a smart grid pode criar também a figura do consumidor-fornecedor. Desse modo, aquela pessoa que dispõe de um sistema doméstico de geração de energia eólica ou fotovoltaica poderá transferir o excedente da sua produção para a rede, sendo remunerado por isso. “Nessa hipótese, o medidor eletrônico registrará tanto a entrada quando a saída de energia. Mas, para que isso aconteça, será necessário ainda o estabelecimento de normas para não haver interferências de frequências na rede de energia. Do mesmo modo, é preciso estabelecer as especificações técnicas dos medidores, para que os aparelhos executem as funções desejadas”, adverte Fróes.


Por fim, o pesquisador lembra que a smart grid poderá se constituir em uma grande oportunidade de negócios no Brasil. Ele lembra que os aproximadamente 58 milhões de medidores domésticos convencionais terão que ser substituídos por equipamentos mais modernos. “Esses aparelhos precisão ser fabricados, instalados e consertados, quando for o caso, por alguém. Isso representará a criação de novas empresas e de um importante número de empregos, com a consequente geração de riquezas para o país”, entende o autor da tese.


Ao ser questionado sobre quem pagará a conta por toda essa “revolução”, Fróes é direto: “Todos pagaremos, de alguma forma”. De acordo com ele, não se pode afirmar, num primeiro momento, que haverá redução do preço de tarifa por causa da adoção da rede inteligente. Ao contrário, o primeiro momento exigirá altos investimentos, o que deve trazer algum tipo de impacto para o bolso do consumidor. “O Brasil vai ter que decidir como isso será feito. No Reino Unido, ficou definido que os clientes é que arcariam com o custo de instalação dos novos medidores. Aqui, a solução terá que ser discutida, inclusive com a participação da sociedade”, pondera.


Um aspecto que parece claro, completa Fróes, é que a implantação da smart grid no sistema elétrico brasileiro é uma medida inevitável, em razão das vantagens que ela trará. “Atualmente, nossa rede, que começou a ser implantada na primeira metade do século 20, está obsoleta. É preciso atualizá-la. Penso que esse avanço em direção a uma rede inteligente será feito aos poucos. Afinal, não e possível mudar o setor da noite para o dia. Assim, vamos introduzir alguns neurônios progressivamente, de modo que ela fique cada vez mais inteligente. Outros países já fizeram isso com sucesso. Nós também devemos chegar lá, mas é preciso reafirmar que muitas questões legais, técnicas e operacionais ainda não foram estabelecidas. Sem essas diretrizes, não iremos a lugar algum. Se a lição de casa não for feita com urgência e competência, os consumidores e o país sairão perdendo”, analisa.


Atualmente, a smart grid tem tido alguns de seus recursos testados, de forma piloto, em duas cidades brasileiras: Sete Lagoas, em Minas Gerais, e Parintins, no Amazonas. Na cidade mineira, foram instalados novos medidores e modernos sistemas de telecomunicação, que permitem a troca de dados entre os equipamentos de campo e as centrais computadorizadas. Com isso, a concessionária local tem como monitorar os níveis de consumo da população, bem como identificar, em tempo real, eventuais interrupções no fornecimento de energia. Já no município amazônico, foram instalados sensores em vários pontos da rede de distribuição, que também permitem a intervenção imediata da fornecedora em caso de falhas no sistema. São testes como estes que poderão ser realizados em dimensão nacional em 2013. No ano seguinte, a tecnologia deverá entrar em operação comercial.



Foto: Carol Fróes

Foto: Carol Fróes

Banca de defesa da tese de doutorado de Carlos Fróes: da esquerda para a direita: Prof. Dr. Paulo Sérgio Franco Barbosa ( diretor da Fac. Engenharia Civil – Unicamp), Prof. Dr. Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. (PEA-USP), Profa. Dra. Ana Rodrigues Silva (FAAP – primeira orientadora da tese),Carlos Fróes, Prof. Dr. Gilberto De MartinoJannuzi (FEM – Unicamp, o orientador), Prof. Dr. Máximo Luiz Pompermayer (superintendente ANEEL), Prof. Dr. Sérgio Valdir Bajay (FEM-Unicamp).